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A falência do multiculturalismo

O mundo tem vivido, nos últimos meses, senão anos, ações terroristas que só têm se multiplicado. É como se a barbárie estivesse reingressando no mundo civilizado, com o intuito de abalar os seus alicerces. “Explicações” que mais se parecem “justificações” procuram dar conta de um fenômeno, de natureza política e religiosa, como se fosse um problema social ou uma suposta incapacidade de o Ocidente em lidar com a diferença. O argumento beira o absurdo, como se as vítimas devessem se explicar, ou ainda, como se as vítimas fossem os verdadeiros algozes. O terror, por muitos, é “condenado” pelo uso de orações adversativas (mas!), enquanto o verdadeiro problema seria a islamofobia!

Boa parte disto se deve ao politicamente correto ter impregnado a nossa cultura, como se toda forma de existência cultural diferente do Ocidente ou qualquer comportamento fosse de igual valor aos princípios e valores universais que orientam as sociedades democráticas, tolerantes e pluralistas. É o tal do “direito à diferença”, como se, em nome dele, tudo valesse, mesmo as piores aberrações, entre as quais o terror islâmico.

Por que esse silêncio atroz em relação às mulheres, na verdade meninas, muçulmanas que são mutiladas sexualmente em vários países africanos por motivos religiosos? Trata-se de um mero exercício do “direito à diferença”? As diferenças culturais devem ser simplesmente respeitadas? Por que não o terror enquanto forma de contestação “diferente” dos valores do Ocidente?

Os atentados, na França, ao jornal “Charlie Hebdo”, a uma policial mulher e a um supermercado judaico de comida kosher são exemplos, particularmente claros, da falência do multiculturalismo. Nos anos 70 do século passado, a França sucumbiu ao politicamente correto, ao suposto “direito à diferença”, e abandonou, diria por razões ideológicas, o seu modelo de integração republicana dos imigrantes. Segundo esse modelo, as pessoas se integram individualmente à cultura reinante, obedecendo às leis e valores do país de adoção, seguem as regras da escola pública e reservam a sua diferença cultural e religiosa para a vida privada e familiar

Ora, em seu lugar, foram “reconhecidos” os valores da diferença, como se os imigrantes tivessem todo o direito de viverem à parte, seguir publicamente a sua cultura e, mesmo, impô-la à sociedade francesa. Note-se que os terroristas islâmicos eram de cidadania francesa, voltando-se contra os próprios valores republicanos franceses.

Quem foram os alvos de seus ataques?

Um grupo de jornalistas satíricos que exercia o seu próprio direito de liberdade de expressão. Em uma sociedade democrática, possuem todo o direito de assim fazê-lo. Os descontentes devem recorrer aos tribunais se se sentirem atingidos. O uso da violência e do assassinato não são “respostas”, salvo se as considerarmos como “justificadas” por uma suposta exclusão. Os supostos excluídos são os que, na verdade, querem impor os seus valores para a sociedade francesa e, também, em seus outros prolongamentos terroristas, para o mundo ocidental em geral.

Outro grupo foi constituído por policiais, também cruelmente abatidos. Um deles pediu clemência, inerte no solo, antes de ser assassinado. Ora, o que são policiais? Policiais são símbolos do Estado e, enquanto tais, devem ser reconhecidos. No momento em que policiais viram alvos de terroristas é o Estado, ele mesmo, que é atingido em um de seus pilares. Neste sentido, o objetivo dos terroristas consistia na destruição mesma do Estado, procurando suscitar a desordem pública e a generalização da violência.

Outro grupo foi o de judeus, atingidos, na “melhor” tradição nazista, pelo simples fato de serem judeus. É como se o terror islâmico procurasse relembrar, neste ano mesmo em que se rememora o terror de Auschwitz, que eventos semelhantes podem ocorrer novamente no futuro. Não é outra coisa que fazem quando pregam abertamente a destruição pura e simples do Estado de Israel.

Aqui há outro torpor do politicamente correto sob a forma da esquerdopatia reinante. Recentemente, Israel, em defesa própria, fez um ataque de helicóptero no lado sírio das Colinas do Golã, matando terroristas do Hezbollah e militares iranianos, entre eles um poderoso general da Guarda Revolucionária. Tal fato, de maior importância, não ganhou maior destaque como se não fosse uma anomalia que o Hezbollah e a Guarda Revolucionária iraniana estivessem na Síria preparando ataques visando à destruição do Estado de Israel.

Outra explicação seria, evidentemente, a de que os terroristas do Hezbollah e os militares iranianos lá estivessem fazendo turismo! Tudo terminando por se acomodar em um esquema mental onde todo exercício da diferença é justificado. É sempre “o mas”!

Um caso é particularmente exemplar de outro modelo de integração imigratória, independentemente de cultura, tradição e religião. Kirk Douglas, um dos maiores atores de Hollywood, é judeu, tendo nascido com o nome de Issur Danielovitch. Seus pais eram imigrantes da hoje Bielorrússia, que chegaram aos EUA no final do século XIX e início do XX.

Issur Danielovitch nasceu em 1916 e quando chegou à escola pública não falava inglês, tendo o ídiche como língua. Teve de se integrar à cultura americana, tornando-se fluente no inglês e veio a ser um dos maiores atores da história do cinema, representante por excelência da cultura americana. Serviu, inclusive, na Marina americana durante a Segunda Guerra Mundial. Se não tivesse se integrado, teria vivido à parte, exercendo, no linguajar modernoso de hoje, o seu “direito à diferença”. Não teria se tornado Kirk Douglas.

Hegel, em sua obra “Filosofia do Direito”, discorrendo sobre o Estado moderno, argumenta que não importa que a pessoa seja judia ou quaker, poderíamos acrescentar muçulmana, contanto que seja “homem”, a partir de sua integração em um Estado que expresse valores universais.

Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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